segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O narrador - primeira parte

       
       Por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia ainda mais.

É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.
Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo. Basta olharmos um jornal para percebermos que seu nível está mais baixo que nunca, e que da noite para o dia não somente a imagem do mundo exterior, mas também a do mundo ético sofreram transformações que antes não julgaríamos possíveis. Com a guerra mundial tornou-se manifesto um processo que continua até hoje. No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável. E o que se difundiu dez anos depois, na enxurrada de livros sobre a guerra, nada tinha em comum com uma experiência transmitida de boca em boca. Não havia nada de anormal nisso. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela guerra de material e a experiência ética pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano.
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes esses dois grupos. "Quem viaja tem muito que contar", diz o povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições. Se quisermos concretizar esses dois grupos através dos seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo modo suas respectivas famílias de narradores. Cada uma delas conservou, no decorrer dos séculos, suas características próprias. Assim, entre os autores alemães modernos, Hebel e Gotthelf pertencem à primeira família, e Sielsfield e Gerstäcker à segunda. No entanto essas duas famílias, como já se disse, constituem apenas tipos fundamentais. A extensão real do reino narrativo, em todo o seu alcance histórico, só pode ser compreendido se levarmos em conta a interpenetração desses dois tipos arcaicos. O sistema corporativo medieval contribuiu especialmente para essa interpenetração. O mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres da arte de narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram. No sistema corporativo associava-se o saber das terras distantes, trazidos para casa pelos migrantes, com o saber do passado, recolhido pelo trabalhador sedentário.


Trecho do livro de Wlater Benjamin - Magia e técnica, arte e política

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ensaio introdução ao personagem do malandro




Hoje fizemos um ensaio muito suave. Primeiro porque era a primeira vez depois que estávamos com mais tempo e sem outros ensaios no mesmo dia, então estávamos em outro estado de espírito. Além disso, já havíamos feito a primeira cena inteira e tínhamos uma noção melhor do espetáculo, do que funcionava, do ritmo necessário. Então hoje, fizemos um ensaio que eu chamo de 100% criativo. Sem a preocupação de marcação, de textos, de técnicas fizemos um trabalho aliado a música...e é uma delícia começar a achar qual a a trilha ideal para aquele personagem. Eu e o Grilo fizemos o mesmo exercício mas cada um com trabalhando com seu fantoche. Também era a primeira vez  que o Grillo estava lidando com o boneco de luva e com as suas limitações e possibilidades. A proposta era que o rei e o malandro  entrassem no palácio do rei,olhassem aquele espaço, vissem todas as riquezas contidas lá, ouvissem os sons. O objetivo? Se apossar do trono.
Com esse  primeiro estímulo, queríamos achar motivações, medos, reações físicas e psicológicas daqueles personagens. Não haveria inicialmente, interação entre eles. Os fantoches apenas estavam no mesmo lugar, cada um vivenciando individualmente esta experiência.
O Grillo achou algumas reações físicas do malandro e eu brinquei muito com uma das características mais legais do teatro de animação: a possibilidade de trabalhar reações e situações que estão muito longe do realismo e que beiram o surrealismo. E gostei desse gostinho de teatro do absurdo, da possibilidade de incluir sonhos, delírios, reações não naturais. Então, acho que seguiremos nesse caminho, introduzindo no nosso texto já pronto essas potencialidades cênicas.

Também descobrimos esse via da tranquilidade, ensaios sem gritos, sem estresse, com ludicidade, com alegria!! E fechamos com músicas do Tim Maia ( o Cd eu achei no lixo naquele mesmo dia, o que prova que nada é por acaso!!)

..."o que eu quero é sossego!!!"






quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ensaio de duas semanas atrás

godofredo

 Nestas duas semanas que passaram,eu e a Adriana fizemos os nossos ensaios retomando as músicas do espetáculo,recordando as melodias e as letras da fábula.Em uma de nossas canções, ficamos em dúvida quanto a necessidade de manter determinadas estrofes pois estamos buscando uma objetividade musical.Trabalhamos com uma canção francesa para descobrir que elementos estavam relacionados à figura do malandro de nossa fábula .Então íamos andando pelo espaço, falando um com outro como se falássemos  francês, e  novos arquétipos surgiram.  Fomos investigando também quais características pessoais poderíamos acrescentar a esse personagem.Bom, isso nos deu um primeiro norte para construção do malandro de como ele falaria,reagiria, andava,é claro que isso vai aparecer quando começarmos a treinar como o boneco.Mas um esboço já foi levantado.
Trabalhamos um pouco com o rei e o Godofredo. O que vinha sendo apontado no rei nos nossos ensaios é que ele se diz inteligente e esperto, mas no fundo é sempre enganado e não sabe o quanto de propriedades de terra e países ele tem. No caso do rei, eu pedia para Adriana fazer um relato de um segredo de sua infância, e juntamos com ações físicas como o ato de se esconder,depois pedi a ela para trocar para figurado rei, vivenciando o mesmo fato.Dessas experiências foi interessante a troca da pessoa para o personagem da fábula, e esses fatos tinham pequenas ligações.Então foi vez da Adriana me dar as indicações para resgatar essas lembranças relacionadas às minhas peraltices da infância e fizemos a posterior associação com o personagem do malandro.Com o Godofredo,ensaiamos de novo a cena do começo para retomarmos e para fixarmos bem o começo da sua entrada e ir para o feitiço. No ensaio do rei, aquelas indicações que pedi para Adriana foram aparecendo no rei com maiores sutilezas, que ficaram muito latentes na hora dessa majestade aparecer em suas reações, gestos e movimentos que agora ficaram mais definidos. Sua alteza agora tem momentos de parar e falar,pensar,de olhar e de se relacionar com os outros personagens e de seu jeito bonachão que faz dele uma figura engraçado,metido,orgulhoso de suas atitudes e de como ele não é tão mal assim e só um pouco atrapalhado,e se engasga ou se em rola quando vai dizer algo. Este ensaio de hoje foi intenso e provocativo para os dois.E isso nos deu mais material para nossa pesquisa com nossos bonecos e nossa fábula de como fazer destes  momentos de grande descobertas tanto corporal como vocal e de nosso estado cênico.
O ensaio seguinte foi de acontecimentos com sensações de dor, leveza, lágrimas,suavidade e apoio.Passamos a primeira parte do nosso espetáculo várias vezes,passando quadro a quadro. Íamos parando para acertar marcações ,descobrir momentos novos na trama,e refinamos com gesto,olhares,intenções  dos bonecos. De como esse manipulador mexe com seu o fantoche deixando bem claro os movimentos.  Momentos estudados : O primeiro momento do mensageiro vindo e procurando o rei e a conversa dos dois. O rei mandando ele ir embora. A entrada do Godofredo, o seu feitiço, o seu encontro com o rei, a briga dos dois e a saída do Godofredo.Conseguimos pela primeira vez, ensaiar três cenas seguidas com fluidez e emendando uma na outra.                                                                                                                                                                                  Amei o ensaio hoje, foi gratificante.
godo